5/28/10

Valsa com Bashir

Outro texto para o Clube de Cinema. Fiquei bem satisfeito com esse.

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Começa com um cachorro. Raivoso, nos dois sentidos. A imagem da selvageria. E então mais cachorros. Uma matilha. Atravessam a cidade em crescente devastação, sem olhar para os lados, sem se incomodar com obstáculos. Até chegarem a seu objetivo. Uma janela. E latem. E latem. E Latem.

Um dos desafios da arte moderna, pensando a arte como a voz de seu tempo, era “como representar o irrepresentável, dizer o indizível?”. Uma das respostas para este dilema está em Guernica, de Pablo Picasso (1881-1973). Ali está representado ‘o horror, o horror’ do General Kurtz de Marlon Brando (1924-2004) em Apocalipse Now (1979).

Valsa com Bashir (em hebraico ואלס עם באשיר - Vals im Bashir, 2008) encara esse desafio do ponto de vista da memória. A imagem parcamente representada no primeiro parágrafo, e que abre o filme, é um sonho de um dos entrevistados, todos sobreviventes da Guerra do Líbano, de 1982. Esta cena guarda uma dupla relação com as guerra retratada no filme. De um lado, fala diretamente para a história do personagem-entrevistado: ele era o responsável por matar os cães das vilas para que estes não anunciassem a chegada dos soldados. De outro, a passagem dos cães pela cidade é como a passagem da guerra pela vida das pessoas: devastadora.

O filme combina diferentes técnicas de animação (flash, animação tradicional em 2D e 3D) para amarrar todas estas pontas conceituais. O resultado é uma forma bela e poética de descrever o horror das memórias dos entrevistados-personagens que, juntas, vão tecendo a colcha que se torna o filme. Além de ser uma forma de retratar o irretratável, buscando a infidelidade da memória e sua minuncia subjetiva, ao invés de tentar escrachar o real. Que, de real, deixou apenas as cicatrizes nos corpos e nas almas daqueles povos.

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