1/7/09

da adaptação e outros demônios...

escrever um livro é uma tarefa árdua. eu sei porque me martirizo por muito menos [ou seja, este blog, reportagens, matérias, entrevistas...]. a escolha da composição, ritmo, estilo... são preocupações que podem te levar a criar uma obra-prima, ou te levar a loucura. o que vier primeiro.

um dos melhores livros que li no ano que passou [e foram muitos, acredite] foi "Pergunte ao Pó", do John Fante. admito que muito do que significa afirmar que este foi um dos melhores reside na minha identificação com o personagem principal, alter-ego do autor, Arturo Bandini. este jovem ítalo-americano, vindo do meio oeste dos EUA para LA, nos duros anos que se seguiram da grande depressão americana é um dos mais densos personagens já escritos.

não me identifiquei com ele por conta de sua ambição de alcançar o estrelato literário. me identifico com sua visão, sempre inconstante e incoerente, sobre si mesmo. como o livro é em primeira pessoa facilmente percebemos a insegurança do jovem que quer se afirmar, mesmo sem ter certeza de seu talento. sem ter certeza de que pode viver de sua arte. de seu texto. de traduzir o mundo sob o prisma de sua alma. mesmo batendo no peito e começando uma eternidade de frases com "nós, grandes escritores...". mas, o que torna um grande escritor, de verdade?

daí surge a minha identificação. Bandini, primeiro, pensa que é preciso ter escalado uma montanha para falar sobre isso. sua falta de experiência, especialmente no campo amoroso, é o principal motivo dele se bloquear, rejeitar seus escritos. mas não é isso que cria um grande escritor. um grande escritor é o homem capaz de enxergar em uma folha todos os cheiros e cores contidos numa floresta. mais! ele deve ser capaz de transmitir isso para seu leitor.

mas não é só disso que o livro trata. ao mesmo tempo, Bandini evita experimentar a vida por ter medo de que sua falta de experiência o denuncie. e ele se martiriza, passa fome, é insultado, insulta e se insulta e nos brinda com belas passagens sobre como construímos imagens do mundo e como nos apoiamos nas imagens.

mas [como tudo na vida tem um mas...]

ontem eu resolvi assistir a adaptação cinematográfica, apesar de já ter sido avisado por apreciadores maiores e melhores que eu que era uma perda de tempo. o problema é que foi uma perda de tempo maior do que eu jamais pensei.

na primeira metade do filme o clima já não era muito animador. tudo bem... salvam-se as atuações, ainda que exitantes. e também o tom geral ainda é o do livro. ainda que o belo texto poético de Fante não seja traduzido em imagens, funciona como um álbum de fotos daquela viagem que você fez para um lugar que sempre quis ir, com uma pessoa que você gosta muito. não substitui a viagem, mas te faz ter boas lembranças. mas, ao mesmo tempo, se você não tivesse viajado, não serão aquelas fotos que te convencerão a ir.

a segunda metade me fez ir dormir triste. e isso não é uma metáfora. o problema não é tomar liberdades em relação à história original. o problema está em tentar reescrever aquilo que está no livro. e pior, reescrever como um dramalhão mexicano. aqui não é o cinema em cena e eu estou longe de ser um pablo villaça, então não vou ficar aqui citando cenas, contrapondo com o livro e buscando o ridículo. apesar da tentação.

a questão central aqui é: se você não gosta de como o autor encaminhou o texto, porque diabos quer fazer uma adaptação dele? crie uma história 'melhor' e deixe a adaptação para alguém que goste de verdade da história. eu acho que todo livro tem, ou pode ter, o seu Peter Jackson.

mas, por outro lado, acabei de ver "O Escafandro e a Borboleta". acredito que tudo o que pode ser dito sobre o filme já está pairando em algum canto da internet. e não, eu não li o livro. mas se aquilo pode ser feito com um história, sem cair, em nenhum momento, no clichê hollywoodiano de superação, força do personagem e afins, acredito que algo tão bom pode e deve ser feito com Pergunte ao Pó.

talvez contratar o Fernando Meireles seja um bom começo.