11/27/09

Outro de cinema...

Outro texto que escrevi para o Segunda tem Cinema (link para o projeto ao lado). Desta vez o filme é o ligações perigosas. Usei uma estrutura mais formal, mas resolvi abordar de frente a adaptação. O resultado:

As Ligações Perigosas

Ao longo deste ano, por conta desse projeto, tivemos que ler (ou reler) os livros referentes aos filmes apresentados. Já que trabalharíamos a questão da adaptação, era inevitável que, durante a leitura, pensássemos como seria a nossa versão desta história em filme.

Com o romance epistolar de Chorderlos de Laclos não foi diferente. E a primeira coisa que me veio a mente, já nas primeiras cartas, por conta dos prefácios, foi o formato de documentário falso. O mockumentary. O que tem haver? Já me explico.

No prefácio nos deparamos com uma primeira ressalva. O editor do livro avisa que todas aquelas cartas são ficção, fruto da mente do autor, nada além disso, e que a sociedade da época não permitiria a produção de sujeitos capazes de atos tão vilanescos. O segundo texto, de autoria assumida por Laclos, traz a afirmação oposta. Que ele simplesmente organizou e catalogou as cartas, se restringindo a um ou outro rodapé. No posfácio da edição da LP&M encontramos, ainda, a ressalva de a primeira nota do editor ter sido escrita também pelo próprio Laclos, mostrando que essa desconfiança em relação a procedência do texto pode ter sido intencional.

E enquanto minha idéia de adaptação foi o documentário falso, já que o romance de Laclos brinca com a relação entre real e ficcional, Stephen Freas, o diretor, decidiu por um filme de época. Mas por que, afinal, a escolha desse formato?

A resposta é simples: cada um usa a mesma estória para atingir objetivos distintos. O que fica claro quando se pensa o contexto de produção da época.

Laclos pretendia chocar o povo e desnudar a nobreza, classe que vivia de renda, sem outro fim que não suas vontades. Viviam como crianças grandes e mimadas, buscando, ao mesmo tempo, pecado e redenção. Aquele condenado e este vendido pela igreja católica.

Hoje (e mesmo nos anos 80, quando o filme foi produzido) não há nobreza. Mas ainda existem pessoas que não compreendem como cada ato seu afeta o mundo. Por isso o filme ganha força ao abandonar a proximidade com o real, mantendo as características de filme de época, para se tornar, então, uma alegoria do homem moderno, tão individualista que se interessa mais por si que pelo mundo que o cerca. Alegoria moralista, é importante que se saiba, já que apenas os desviantes confessos são punidos (mais duramente no livro).

E se não é possível ter acesso às mentes dos tentadores e dos tentados, como nas cartas do livro, é delicioso ver como o filme de Frears transforma, por vezes, várias páginas dessas cartas em uma única frase.

Mas não pense que algo se perde. Nos olhares de John Malkovitch e Glenn Close estão todo o veneno dissimulado do Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil, ao mesmo tempo em que existe inocência na Senhorita de Volanges da pós-adolescente Uma Thurman e devoção na Presidenta de Tourvel de Michelle Pfeiffer. E se há um porém, como sempre há, ele se chama Keanu Reeves.

No comments: